domingo, 21 de fevereiro de 2010

Levíssima Embriaguez

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! E tudo se transformou em sim. Tudo se transformou em sim quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Sem a grande dança dos erros. Sem o cerimonial das palavras desacertadas. Ele a procurava e a via, ela via que ele vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Nada erraria, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais andavam, menos com aspereza queriam, e sorriam. Tudo só porque não tinham prestado atenção, só porque estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito não eram exigentes, nem duros, e não quiseram ter o que já tinham. Nem quiseram dar um nome; porque não precisavam ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por estarem distraídos.    Clarice Lispector.

Nenhum comentário:

Postar um comentário