domingo, 31 de janeiro de 2010

Déjà Vu

Nenhuma verdade me machuca. Nenhum motivo me corrói. Até se eu ficar só na vontade, já não dói. Nenhuma doutrina me convence. Nenhuma resposta me satisfaz. Nem mesmo o tédio me surpreende mais... Mas eu sinto que eu tô viva a cada banho de chuva que chega molhando o meu corpo. Nenhum sofrimento me comove. Nenhum programa me distrai. Eu ouvi promessas e isso não me atrai! E não há razão que me governe. Nenhuma lei pra me guiar... A minha alma nem me lembro mais em que esquina se perdeu, ou em que mundo se enfiou. Mas eu não tenho pressa, já não tenho pressa, eu não tenho pressa, não tenho pressa...
Música: Déjà Vu
Composição de Peu Sousa / Pitty
Interpretada por Pitty.

Lágrimas Ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras,
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida…

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida !

E fico, pensativa, olhando o vago…
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim…

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma !
Ninguém as vê cair dentro de mim !
Lágrimas ocultas, Florbela Espanca.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Temos Emoções

Seria tão bom se pudéssemos nos relacionar sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada, mas infelizmente nós, a gente, as pessoas, têm, temos - emoções.    Caio Fernando Abreu.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Não basta abrir a janela

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.

Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Não basta abrir a janela, por Alberto Caeiro.

Quando ela fala

Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala;
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.

Meu coração dolorido

As suas mágoas exala.
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.

Pudesse eu eternamente

Ao lado dela, escutá-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.

Minh'alma, já semimorta,

Conseguira ao céu alçá-la,
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala.
Quando ela fala, por Machado de Assis.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ao sono

Ontem, mais uma vez, esperei horas e você não veio. Hoje, passei a manhã inteira irritada por causa disso. Aí, você me chega depois do almoço, sem a menor explicação, como se isso fosse normal. Eu cheia de coisas para fazer e você querendo me levar para tomar um café. Está querendo acabar comigo, é isso? Uma amiga minha me abriu os olhos: nós dois estamos vivendo uma relação doentia. Eu estou me sujeitando aos seus horários e você está desrespeitando os limites. Não é porque eu vou para a cama com você que eu deixei de chefiar o órgão onde você exerce a sua função.Você tem faltado muito e estou cansada disso. Quando não falta, demora para chegar e vem disperso, agitado, não ajudando em nada. Eu preciso de você tranqüilo, cumprindo seu dever, todos os dias, oito horas por dia, igual a todo mundo. Ou não posso garantir o bom funcionamento da nossa unidade.Sono, sinceramente, qualquer probleminha que surge, você some. Tudo serve de desculpa para você não aparecer: uma conta para pagar, uma viagem de negócios, um caso de doença na família. Por mais que eu não queira te prejudicar, não posso agüentar um sono assim, tão inconstante. A partir desta noite, não quero mais nenhuma irregularidade sua. Não estou exigindo que você seja perfeito, mas, na próxima vez que eu tiver de remediar alguma ausência de sua parte, vou tomar medidas extremamente fortes. E não me importam as reações. Desejo uma convivência leve e sadia entre nós, mas prefiro ter você sempre pesado do que sofrer as conseqüências da atual situação. Não posso entender por que você mudou tanto. Lembro das agradáveis noites que passamos juntos - você eventualmente profundo, muitas vezes superficial, mas sempre presente em minha vida. Mesmo durante o dia, você dava um jeito de estar ao meu lado quando eu ficava deprimida, de cuidar de mim quando eu ficava com febre, de aliviar meu stress quando eu trabalhava demais.Agora, quase nunca posso contar com você. Você só aparece quando bem quer e quando eu menos preciso: num cinema, numa festa, num restaurante. Sua presença, antes tão gratificante, ultimamente só serve para me atrapalhar. Você jamais consegue estar comigo nas horas importantes, tem sempre algo complicado impedindo-o de chegar; mas sei de outras mulheres que dormem com você sem a menor dificuldade. Liguei para uma colega minha, noite dessas, para reclamar de mais uma das suas fugidas, e ela teve o desplante de dizer que não podia falar comigo porque estava na cama com você. Enfim, estou com olheiras, e é por sua culpa. Mas sei que necessito dos seus serviços, então lhe dou este ultimato. Ou você toma jeito e volta a me deixar em paz ou você afunda junto comigo.
Atenciosamente, Fernanda.
Texto da escritora, roteirista e apresentadora de TV Fernanda Young.


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Halo




Remember those walls I built?
Well, baby they're tumbling down
And they didn't even put up a fight
They didn't even make up a sound

I found a way to let you in

But I never really had a doubt
Standing in the light of your halo
I got my angel now...
Musica Halo, de Beyoncé.

Dor

Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso. A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.   Caio Fernando Abreu.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Cidade sem luz

Uma cidade sem luz. Nada existe de mais dramático, pungente, arrepiante e triste. Principalmente se esse vilarejo se chama Forquilha e nele se mora na Rua do Passa - Nada. Quando a noite chega, desce o manto do mistério. Toda a gente se refugia em casa, em torno de velas, lamparinas e candeeiros, até o sono chegar, a espera do milagre da luz. Esta noite está assim. Completamente em trevas. Policarpo, o escrivão da Coletoria, maldizia, mais uma vez, o prefeito, que não conseguiu consertar a usina, e o instante em que resolvera morar naquele fim de mundo. Era noite e o escrivão se plantara à porta de sua casinhola, no nível da rua, a rua do Passa - Nada. Rua enorme, com raras casas e dezenas de terrenos baldios. Resolvera morar ali. Aluguel barato, casa fresca, ampla. Com o conforto da luz elétrica, quando a usina não resolvia implicar com a normalidade do povoado.

Acomodado em um tamborete, sem ver nada e sem ser visto, Policarpo emprestou os ouvidos ao silêncio, até que distingue uma luzinha de lanterna, à direita, bambolear lá longe. Quem será? Difícil descobrir. O escrivão ficou atento, olhos fixos na luz que se aproximava. Um distante som de esporas faz parceria com a luz. Esporas? Era ele, o prefeito.

A biografia do prefeito carece de ser contada em prosa e em verso. Como prestigioso cabo eleitoral, o atual dirigente da cidade tinha votos para decidir a sorte do pleito. A convite da oposição, bandeou de partido pela candidatura a prefeito. Elegendo-se brilhantemente, assim nasceu para a política o alcaide Romão Veloso. Bonitão, casadão, quarentão, espalhou esperanças até agora, quando topou com o primeiro problema: a luz. Defeito no gerador. Providenciou pecas em São Paulo, na rua Florêncio de Abreu. As pecas ainda não chegaram. Se chegaram, não serviram, e toca o povo a amargar a escuridão. A expectativa tornou-se exasperação, a exasperação em ódio. O ódio esta roendo o povo do vilarejo. Principalmente as mulheres acostumadas à novela da Radio Nacional e os homens, ao Repórter Esso. Toda a gente esta com saudade do Direito de Nascer e do Heron Domingues. Os cervejistas, condenados a lourinha quente, viraram feras. A fábrica de gelo, única indústria do lugar, fechada por falta de matéria-prima. O vigário está gastando um mundo de velas. Um dinheirão. O povo esta odiando o alcaide. E não e pra menos.

Policarpo, entregue a meditação, buscou encontrar alguma coisa boa em Forquilha. Resplandeceu fácil: Violeta. A viúva Violeta, o premio mais lindo do povoado, novinha em folha, espalha por onde passa perene nuvem perfumada. Jasmim. Em poucos lugares, pois Violeta sai pouco. Exibe o mínimo possível o seu corpo maravilhoso. A paixão silenciosa de Policarpo pela viúva chegou ao cumulo de fazê-lo escapar da Coletoria, ir até a casa do octogenário Crispim e de lá debruçar-se a janela sem ser visto, sobre o terreiro da deusa e assisti-la lavar a própria roupa. Encantava-se. Desculpava-se ao dono da casa com pretexto que dera uma saidinha para respirar o ar tranqüilo e confortante da vivenda. Tinha verdadeiras crises de êxtase ao assistir a Violeta dependurar no arame as suas calcinhas coloridas. Se a aragem tomasse o rumo da janela, a casa do velho se impregnava de jasmim. Era aquilo a única coisa amorável de Forquilha. Uma mulher, linda, séria, sem empenho de novo casamento, eleita como o único encanto de uma cidadezinha quieta e triste.

Tudo isso passa pela cabeça do escrivão quando vê a luz bruxuleante de uma lanterna e o tilintar de esporas na Rua Passa—Nada. Era ele mesmo. O prefeito. O odiado prefeito cruzando sozinho o caminho da solidão. Excomungado como anda, corre perigo de vida. Passa por Policarpo. Não nota nada ao seu redor. Vai rompendo a rua. O escrivão se assusta. Uma outra luz de lanterna vem em direção contraria. Um inimigo do prefeito, sem duvida. Morte certa ou entrevero grosso. As luzes se aproximam ate que se encontram. Uma se apaga e a restante some pelos cantos da rua deserta, ao que se deduz, mergulhou no terreno baldio. Por sinal, propriedade do prefeito, onde ele fez construir um casebre para abrigar material de construção. Orelha em pé, Policarpo procura ouvir algum estampido ou sinal de rixa. Nada. A curiosidade é demais para admitir que o escrivão possa abandonar o posto de observação.

Ali está há mais de hora fixado no negrume da noite. Uma novidade finalmente. Uma luz parece ressurgir do terreno baldio. Parece, não. Ressurge mesmo. Dança um pouco na mão de alguém. Seria o sobrevivente? Não, não era. Não houve rixa, nem houve morte. A certeza se delineia nesse minuto, quando a outra luz se acende. Há um dialogo dos focos. Depois, cada qual toma o seu rumo. Policarpo aguarda a luz que caminha na direção de sua casa. Vem ouvindo. Silênciosa. A outra se perde nos confins do lado de lá. E o prefeito que volta? Não, não é. Os fachos permutaram de trajeto. Não ha esporas no foco em retorno. Vem andando. Sem barulho. Aproxima-se. Está pertinho. Passa por ele e deixa uma ventania de jasmim a sua passagem. Um vulto perfumado segue o seu caminho. Canta baixinho “Adonde estas corazon”, um tango pleno de amor. De amor satisfeito enfeitando uma alma alimentada de ternura.

Lá do fundo, a esposa, Balbina, convoca:

— Policarpo. Vem deitar. Quando consertam o diabo dessa luz?
Ele, devorado pela inveja:
— Pelo visto, mulher, tão cedo a gente não tem luz...
Assoviando em surdina o mesmo tango, envolto pela brisa do mesmo perfume, ele foi embalar o seu sono cínico...
Conto Cidade sem luz, de Olavo Drummond. Livro: O vendedor de estrelas.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Peso imaterial

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.    Clarice Lispector.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Olhar







Ela era indiferente, mas o olhar dela não. 
Vinicius Andrade Neves.

Pensando que entendo

Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.   Clarice Lispector.

Entender é sempre limitado

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.    Clarice Lispector.

She will be loved

 
Música She Will Be Loved -  Maroon 5.



quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Me adora


"Não importa se eu não sou o que você quer
Não é minha culpa a sua projeção
Aceito a apatia, se vier
Mas não desonre o meu nome..."
Música Me Adora
Composição: Pitty / Derrick Green / Andreas Kisser
Interpretada por Pitty.

Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,

E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...

São assim ocos, rudes, os meus versos:

Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,

O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

Florbela Espanca.

A escola

Existem muitas coisas na vida, ou muitas vidas nas coisas, não sei. Em um desses momentos nublados, como quase todos os dias em que as boas novas acontecem, ouvi que o amanhã é sempre um lugar invisível, uma aspiração. Lembro ter demorado um bom tempo para entender que aspiração não é o mesmo que respiração. O importante é que passei a ver a vida dessa forma. Uma aspiração. Uma espécie de caminho escuro por onde, obrigatoriamente, temos que passar, mesmo sem enxergar muito bem o que vem pela frente.E esse tal de “o que vem pela frente” sempre me assustou, mas não poderia ser diferente, porque, de alguma forma, desde menino, possuo a infeliz capacidade de projetar inutilmente o que vem pela frente. A princípio, parece simples. Basta imaginar todas as variáveis possíveis. Um exemplo: amanhã é seu primeiro dia na escola, o que poderá acontecer? você pode se sentir excluído e achar que está no lugar errado na hora errada; a professora poderá fazer algum comentário esquisito sobre o seu nome, que é mais esquisito que qualquer comentário dos mais esquisitos, e os colegas podem passar o resto da vida rindo de você; na hora do recreio, por conta de uma casca de qualquer coisa jogada em um lugar estrategicamente reservado para alguém como você, cabeça nas nuvens, um escorregão infame pode fazer a escola tremer das gargalhadas que os colegas vão soltar, o pior é que vão passar a vida inteira rindo de você; apesar de improvável, você pode se tornar o centro de todas as atenções por ser o mais bonito, o mais inteligente, o mais simpático, essas coisas; não esquecendo que pode haver uma queda de energia e a aula ser cancelada. No meu caso, no primeiro dia de aula, tudo era muito assustador e os que já tinham suas amizades pareciam unidos há décadas.Sinceramente, eu não acreditava que pudesse ser o mais isso ou aquilo na escola. Minha popularidade se restringia ao momento em que minha mãe, sempre prestativa, embora com certos exageros, aparecia com a merenda. Havia um portão de ferro enorme que dava acesso à quadra. Dali, todos os dias pouco antes de começar o recreio, ouvia seu chamado materno. Aliás, todo o colégio ouvia. Aos poucos, mamãe foi se tornando de dentro da escola. Estava presente em todas as atividades extracurriculares, sempre com um apetitoso manjar. Confesso que foi difícil acostumar com essa história. No final, graças à persistência de minha mãe e às suas campanhas contra a incapacidade nutritiva dos lanches da cantina, já havia mais de quinze mães com seus pratinhos e seus copinhos recheados de coisas deliciosas, preparadas por mãos interessadas na saúde e no bem-estar de cada um daqueles sortudos meninos. Pena que os filhos não pensavam assim, então virei alvo de perseguição por algum tempo. Afinal, como é difícil entender que um corpulento pastel de carne, uma coxinha bem recheada, um pão-de-queijo suadinho, tudo isso não é nada perto de um bom e saudável iogurte. A partir daí, passei a procurar meninos iguais a mim, perdidos também, fechados na própria cabeça, encostados na parede como sombras. Tive alguns amigos. É incrível como, por mais que se tente prever alguma coisa, sempre, mas sempre mesmo, o diferente chega e nos surpreende completamente, mudando tudo aquilo que pensamos ser inalterável.
Texto A Escola, de Sinval Farias.

http://profsinvalfarias.blogspot.com/

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Fazer feliz



O
amor é uma condição em que a felicidade de outra pessoa é imprescindível para a sua própria felicidade.
Mário Quintana.

Rosas




Você pode me ver do jeito que quiser
Eu não vou fazer esforço pra te contrariar
De tantas mil maneiras que eu posso ser
Estou certa que uma delas vai te agradar...
Música Rosas - Ana Carolina.

Renascendo das cinzas

Diz a lenda que a Fênix renasce das cinzas.
Olho em torno de mim e vejo isso.
As cinzas que encobriam meu corpo
se espalham num vento que sopra leve.

Cada sopro de vento renova o meu espírito.

Sinto-me como nova, a cada momento.
Os receios, as dores, as mágoas, o sofrimento,
tudo isso se desvanece com as cinzas que se espalham.

Brota em mim uma nova sensação de força e vigor.

Certezas e esperanças se coadunam num sentimento
de imensa alegria e liberdade.
A vida recomeça, em mim.
Elyene Adorno.
http://euemletras.blogspot.com

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

É apenas uma aproximação

Cada pedaço ou parte da natureza total é sempre uma mera aproximação da verdade completa, ou da verdade completa até onde a conhecemos. De fato, tudo que conhecemos é apenas algum tipo de aproximação, pois sabemos que não conhecemos todas as leis ainda. Portanto, as coisas devem ser aprendidas apenas para serem desaprendidas de novo, ou, mais provavelmente, para serem corrigidas.   Richard P. Feynman.

Somente quando eu quiser

Não me prendo a nada que me defina. Sou companhia, mas posso ser solidão. Tranqüilidade e inconstância, pedra e coração. Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono. Música alta e silêncio. Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser. Não me limito, não sou cruel comigo! Serei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer. Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca.   Clarice Lispector.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Somando saudades

As andorinhas vinham agora em sentido contrário, ou não seriam as mesmas. Nós é que éramos os mesmos; ali ficamos, somando as nossas ilusões, os nossos temores, começando já a somar as nossas saudades.
Dom Casmurro, de Machado de Assis

Não chorou

Não chorou; a alma dela era das que não têm lágrimas, enquanto lhe restam forças. Os olhos estavam secos e firmes quando ela os ergueu das mãos; o rosto tinha vestígios do abalo, mas não havia nele desânimo, menos ainda desespero.
A mão e a luva, de Machado de Assis.

Dá-me a tua mão

Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.  A Paixão Segundo G.H, de Clarice Lispector.

A Mulher de Preto

Por que negá-lo? Sim, aconteceu-me um grande infortúnio; amei também, mas não encontrei no amor as doçuras e a dignidade do sentimento; enfim, é um drama íntimo de que não quero falar: limite-se a pateá-lo.   A Mulher de Preto, de Machado de Assis.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Quase

Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais -por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia –qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido. Eu prefiro viver a ilusão do quase, quando estou "quase" certa que desistindo naquele momento vou levar comigo uma coisa bonita. Quando eu "quase" tenho certeza que insistir naquilo vai me fazer sofrer, que insistir em algo ou alguém pode não terminar da melhor maneira, que pode não ser do jeito que eu queria que fosse, eu jogo tudo pro alto, sem arrependimentos futuros! Eu prefiro viver com a incerteza de poder ter dado certo, que com a certeza de ter acabado em dor. Talvez loucura, medo, eu diria covardia, loucura quem sabe!    Caio Fernando Loureiro de Abreu.

Brincadeira de dizer verdades

Se você tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades, teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando. Falei muitas vezes como o palhaço, mas nunca desacreditei da seriedade da platéia que sorria.
Charles Spencer Chaplin.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Prolixa


Olhe, tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras.
Sou irritável e firo facilmente.
Também sou muito calmo e perdôo logo.
Não esqueço nunca.
Mas há poucas coisas de que eu me lembre.
Clarice Lispector.

Para os que esperam cartas

Oi, tudo bom? Infelizmente, esta carta não é de quem você esperava. Mas, como eu sei direitinho como você se sente, talvez traga boas notícias.
Olha, desculpa minha sinceridade, mas a vida é muito curta para ficar aguardando pelos outros. Se quem você aguarda realmente se importasse com você, já teria dado algum sinal de vida. Parta para outra.
Já reparou numa certa pessoa que você conhece e tem uma quedinha por você? Não posso dizer quem é, mas pode ser alguém que trabalha do seu lado ou que mora perto da sua casa ou que freqüenta um mesmo lugar. Sei que se trata de uma pessoa bem legal, vale a pena procurar saber quem é.
Fique de olho, tem um monte de gente reparando em suas qualidades. Aposto que, se você olhar em volta, neste instante, tem alguém olhando disfarçadamente para você. Pode não ser o seu tipo, mas já é uma dose de auto-estima, substância da qual você carece.
A verdade é que, enquanto você estiver assim, nessa interminável agonia, esperando notícias que nunca chegam, vai deixar passar várias possibilidades interessantes ao seu redor. Claro, ninguém se compara a quem você aguarda, mas quem você aguarda não está disponível no momento. Poderá, inclusive, nunca estar, apesar de tudo o que foi dito naquele dia. Pessoas que somem não são confiáveis.
E, mesmo que você tenha certeza absoluta de que não se trata de desprezo, que deve ter acontecido alguma coisa, que esse sumiço tem alguma explicação, não adianta nada você ficar aí esperando. Corroer-se de ansiedade não vai apressar a resolução do problema, seja ele qual for. Então, desencana.
Dá uma esquecida desse assunto, tenta focar as energias naquilo que depende da sua vontade. Caso seja necessário, para tirar de vez essa história da cabeça, mande você uma carta esculhambando e colocando um ponto final na questão.
O fato é que não dá para você continuar assim, desse jeito. Está todo mundo comentando.
Ninguém tem coragem de dizer isso para você, mas todos concordam comigo. Já chega.
Além do mais, se for para ser, será. Um dia, quando você menos espera, pinta um reencontro, sei lá. Mas até esse possível reencontro fica mais difícil se você não se abrir de novo para o lado inesperado da vida.
E, cá entre nós, se a pessoa que você aguarda é quem eu estou pensando, também não é nenhuma belezura assim. Você arruma coisa melhor.
Mande notícias, ficarei aguardando.
Texto da escritora, roteirista e apresentadora de TV, Fernanda Young.

Pássaros

Voando em formação semelhante a um arco, pássaros seguem rumo ao horizonte num céu de entardecer. Apelo irresistível atrai esses migrantes que, para a Ciência, vão em busca da sobrevivência tão logo se manifestam os sinais de escassez de alimento e de mudanças no clima. Mesmo correndo riscos extraordinários e despendendo alto custo energético, bandos e manadas se põem a caminho quando é chegado o momento. Não incomodam, não desacatam, não resistem, não agridem. Silenciosamente e obedientes ao instinto, que é a sabedoria dos bichos, batem em retirada sem que nos demos conta de sua ausência.

Mistérios. Desde a antiguidade, o aparecimento e o desaparecimento dos pássaros deixa naturalistas inquietos. Informações na anilha – o anel metálico colocado em indivíduos de várias espécies, com dados que auxiliam no seu rastreamento – revelaram, por exemplo, que uma batuíra abatida por um caçador em São Paulo saíra de Washington, D.C., distante cerca de 10 mil quilômetros. Falcões peregrinos já voaram da Groenlândia até a capital paulista, e um filhote de albatroz, anilhado numa ilha próxima à Nova Zelândia um mês antes, veio morrer a 6 km ao sul de Tramandaí, no Rio Grande do Sul.

Migrantes rumo à eternidade, nossa peregrinação não é majestosa como a dos animais terrestres, nem silenciosa como a dos pássaros. Distraímo-nos pela caminhada, perdemo-nos em conflitos. Em surpreendente compulsão, aceleramos o carro para ver o pedestre que atravessa a rua, fora da faixa ou dentro dela, se assustar e correr. Desprezamos nossos velhos, seguimos aniquilando nosso habitat e abatendo silenciosos parceiros de migração. Em nome do nosso egoísmo e de nossas ambições, deixamo-nos guiar pelo instinto de um individualismo suicida.

Se de um lado, para nós ausência que dói é a que nos deixa incompletos, de outro seguimos tentando preencher o vazio de alguma dor com a largueza de nossos sonhos. Tantas vezes incapazes de conter a expansão avassaladora do ego, somos levados a crer que a vida – nossa migração – só vale a pena se chegarmos sempre na frente, vencedores de uma corrida onde ganham os que furam a fila no cinema, os que praticam a rapinagem com o dinheiro público, os que manipulam covardemente a boa fé de seus iguais. Por isso não há tempo a perder com parceiros de caminhada ultrapassados pela nossa ambição. Solidariedade, só negociada.

Pobres de nós, solitários migrantes para quem o nomadismo – já se disse – é o outro nome da liberdade. Ruidosos e desengonçados, vamos em frente agitando asas feitas de ilusão. Queremos descobrir, como na letra da canção, onde os ventos morrem e para onde vão as estórias. Mais que isto, nossa meta está mais além: fincar no infinito a nossa bandeira e, se possível, nos transformamos em donos da história.

Apesar de tudo, fica no ar a sensação de que pássaros migrantes são mais sábios em sua simplicidade. Um terço de todas as espécies catalogadas bate em retirada a cada ano e, destes, metade morre ou permanece no exílio, enquanto a outra metade retorna ao local de origem. Missão cumprida, a vida se renova.

Quanto a sonhos, também os pássaros os têm, encantadoramente singelos. Segundo publicou a revista Science, pesquisadores de Chicago concluíram, após estudos realizados com determinada espécie, que os pássaros sonham com seus cantos.
Eduardo Lara Resende.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Para o pequeno príncipe

Nossa, há quanto tempo... Como vão as coisas no seu pequeno planeta? Aqui, no meu, andam imensamente estranhas – muito baobá para pouca flor, se é que você entende meus simbolismos.
Quem sempre fala de você é aquela ex-miss que vivia chorando por sua causa, lembra? Ela me contou da sua amizade com a Raposa.
Príncipe, como você é meu amigo de infância, não posso deixar de alertá-lo. Cuidado com a Raposa. Ela parece uma coisa, mas é outra. Faz-se de fofa e é uma cobra, uma chantagista.
Quando a conheci, ela disse que não podia conversar comigo, pois não sabia quem eu era. “A gente só conhece bem as coisas que cativou”, ela falou, toda insinuante.
Respondi que, se nós duas nos cativássemos, ela ficaria triste quando eu fosse embora. Foi quando saquei que ela queria ter um cacho comigo, pois a Raposa pegou no meu cabelo – eu estava loira na época – e disse que tudo bem, porque ela olharia os campos de trigo e se lembraria de mim.
Marcamos um encontro para o dia seguinte, às 4. E ela me pediu para chegar às 4 em ponto, dessa forma ela ficaria feliz desde às 3 somente por esperar o momento do nosso encontro. Achei estranho, mas pensei que fosse charme. Não era.
Cheguei 15 minutos atrasada e a Raposa surtou. Falou que nós somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. E perguntou para mim, olhando diretamente nos meus olhos, se eu tinha consciência de que “perder tempo” com o outro é o que faz essa história importante.
Percebeu o tom de chantagem? Ela joga na cara tudo o que faz em nome do outro. Ela deseja afeto, mas o quer como uma responsabilidade de mão única. Porém, também somos responsáveis quando nos deixamos cativar – relacionamentos são vias de mão dupla.
A Raposa exige a certeza de um compromisso com hora marcada, impondo regras à troca afetiva. As regras dela, claro, já que ela quer todo o afeto a favor de seu bem-estar. Chega a ponto de dizer que será feliz porque você virá. Como se a felicidade fosse algo condicionado ao outro, à espera do outro, ao encontro com o outro.
Veja que coisa infantil. São as crianças que precisam de horários certinhos e de associar suas emoções às pessoas com quem se relacionam. Sentindo prazer ou desprazer diante da ausência ou presença da mãe ou do pai ou de quem quer que seja. Na criança, ainda não há um universo interior, entendeu? Quando nós crescemos, temos de conseguir ver o mundo através das próprias perspectivas. Enxergar a beleza de um trigal sem nos lembrar de ninguém.
A Raposa, como uma criança assustada, quer que aqueles que a amam estejam com ela na hora em que ela deseja. Achando que eles são “responsáveis” pela felicidade dela. Ou seja, o outro lhe deve algo por tê-la cativado.
Desde esse dia, não falo mais com ela. E aconselho você a fazer o mesmo. Ela não é flor que se cheire.
Saudades distantes,
Fernanda Young.
Texto da escritora, roteirista e apresentadora de TV, Fernanda Young.

Ainda gosto dela

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"...Eu ainda gosto dela
Mas ela já não gosta tanto assim
A porta ainda está aberta
Mas da janela já não entra luz

E eu ainda penso nela

Mas ela já não pensa mais em mim
Eu vou deixar a porta aberta
Pra que ela entre e traga a sua luz..."
Música: Ainda Gosto Dela - Skank


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Saudades Profundas

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.
Clarice Lispector.

Da mesma forma

"Seja como for, continuo gostando muito de você - da mesma forma -, você está quase sempre perto de mim, quase sempre presente em memórias, lembranças, estórias que conto às vezes, saudade..."
Caio Fernando Loureiro de Abreu.

domingo, 10 de janeiro de 2010

A que horas devo preparar meu coração?

No início você sentará um pouco longe de mim, assim, na grama. Eu olharei para você com o canto dos olhos e você não dirá nada. As palavras são uma fonte de mal-entendidos. Mas cada dia você poderá se sentar um pouco mais perto... Se você vier, por exemplo, todas as tardes, às quatro, a partir das três eu começarei a ser feliz. Com o passar da hora, a minha felicidade vai aumentar. Quando chegarem as quatro horas, começarei a me agitar e a me inquietar; descobrirei o preço da felicidade! Mas se você vem a qualquer hora, eu não saberei nunca a que horas devo preparar meu coração... São necessários rituais.
Trecho de O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Mil pedaços

Eu não me perdi 
E mesmo assim você me abandonou
Você quis partir
E agora estou sozinho
Mas vou me acostumar
Com o silêncio em casa
Com um prato só na mesa

Eu não me perdi

O sândalo perfuma
O machado que o feriu
Adeus, adeus, adeus meu grande amor

E tanto faz

De tudo que ficou
Guardo um retrato teu
E a saudade mais bonita

Eu não me perdi

E mesmo assim ninguém me perdoou
Pobre coração - quando o teu
Estava comigo era tão bom

Não sei por quê

Acontece assim e é sem querer
O que não era pra ser

Vou fugir desta dor

Meu amor, se quiseres voltar - volta não
Porque me quebraste em mil pedaços
Letra: Renato Russo.
Música: Dado Villa-Lobos, Renato Russo e Marcelo Bonfá.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Acreditar

Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez.
Caio Fernando Abreu.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Decisão

Hoje organizei meus sonhos em seqüência e prioridades:
Descartei amores duvidosos, amores feitos de promessas,
Camuflados sob o manto do amanhã que nunca acontece
Por medo, covardia, comodismo, insegurança ou... sei lá.

Não quero mais enigmas que devoram minhas expectativas,

Nem a face enrugada da tristeza refletida no meu espelho.
Quero recriar a canção da minha vida em notas de alegria
E resgatar o projeto original da menina que era feliz e sabia.

Hoje eu disse adeus às promessas construídas em séries,

E abandonei as utopias feitas em cerâmica que trincaram.
Não mais emprestarei minha alma a moldes disformes,
Nem usarei as lágrimas para umedecer o barro sem arte.

Não quero o martírio de um paraíso do outro lado do muro,

Nem o mapa para que eu siga pistas de potencial vitória.
Quero a felicidade beijando minha boca com sofreguidão
E o amor presente fazendo bagunça no meu coração.
Lady Foppa

Romeu e Julieta


Estas alegrias violentas têm fins violentos
Falecendo no triunfo, como fogo e pólvora
Que num beijo se consomem.
Romeu e Julieta, Ato II, Cena VI

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Medo

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Cecília Meireles

Soneto ao Amor

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.


É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.


É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.


Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís Vaz de Camões

Encontro Marcado

De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.
Trecho do livro Encontro Marcado, de Fernando Sabino.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Canção das Mulheres

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.
Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.   
Lya Luft.