segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Sussurro [23]

A ternura que havia no olhar dele era perturbadora. Ela queria fugir. Ele queria amar.
Francesca Martins.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Para ser grande, sê inteiro: nada

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

'Para ser grande, sê inteiro: nada', de Ricardo Reis.

domingo, 23 de outubro de 2011

Ausência


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces 
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida 
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. 
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado 
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados 
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada 
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado. 
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face 
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada 
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite 
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa 
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço 
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. 
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos 
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir 
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas 
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

"Ausência", de Vinicius de Moraes.

Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em um cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
"Guardar", de Antonio Cícero.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Sussurro [22]

Noite adentro, escuridão por fora. O cigarro acaba, finda a paciência e eu já nem sei as horas. A insaciedade me devora...

Francesca Martins.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Delírios





Já tive muitos critérios.
Hoje, só vários delírios.
Itamar Assumpção. 

domingo, 16 de outubro de 2011

Medo, zelo



Tenho medo de decepcionar as pessoas, de magoá-las, de fazê-las cansarem de mim. Só queria que elas também tivessem esse medo. 
Tati Bernardi.

Solitária

Há histórias que nunca deveriam ser contadas ou mesmo lembradas. Mas existem coisas que a alma não esquece e o ato de escrever tais coisas é como despir a alma. Enquanto escrevo me percebo nu, despido aos olhos do desconhecido.

Foi em uma sexta-feira louca, de álcool e fumaça branca que te vi sentada em um canto escuro do café. Te vi e mergulhei em ti, pensando que você, como desconhecida sem nome, não me traria dores. Engano.

Ainda recordo a tua imagem, moça de aura doce, taça de vinho entre as mãos, solitária de olhos tristes. Acomodei-me na cadeira e por alguns instantes viajei em especulações, até o teu olhar encontrar o meu.

Você me fitou intensamente e como um náufrago, perdido na escuridão da noite, fiz de você ilha e abrigo. Busquei desesperadamente ler a tua alma, tentando encontrar a lâmpada do teu espírito.

Nos prendemos e suspensos no tempo deixamos transbordar o desejo de completude. Minha sede era imensa, saciei-me em tua alma e te amei naquele instante. Todavia, teu coração não estava pronto.

Delicadamente, desviando o olhar do meu, você retirou do bolso do casaco uma aliança e colocou no dedo anular. Teu coração pertencia a outro. Sem me olhar nos olhos pagou a conta e se foi, deixando a taça intocada. Meu olhar ainda busca o teu.
"Solitária", de Francesca Martins.

sábado, 15 de outubro de 2011

Meu coração te vê



Quando os meus olhos não vêem, o meu coração sente.
Francesca Martins.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Sussurro [21]

Nada é como deveria ser. Eu não sou eu. Você não é você. E a luz que alumia não é da lua, é do poste. Falsa luz!
Francesca Martins.

Os sobreviventes

"...que aconteça alguma coisa bem bonita com você, ela diz, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando."
Trecho do conto 'Os Sobreviventes', de Caio Fernando Abreu.

domingo, 9 de outubro de 2011

"Se não tenho fome é inútil ter queijo"



Não quero faca, nem queijo. Quero a fome.
Adélia Prado.