sábado, 26 de novembro de 2011

Beijo roubado em segredo

Quando o sol
Brincar no outono
Sentirá no meu sorriso.

E com um beijo roubado
Em segredo
Saberás que eu te admiro
Com amor...

Quando o sol
Brincar no outono
Sentirá no meu sorriso

E com um beijo roubado
Em segredo
Saberás que eu te admiro
Com amor...
Música:  Beijo Roubado Em Segredo
 Intérprete: Tatá Aeroplano

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O nome dele era Marcus

O nome dele era Marcus. Eu não costumo falar à ninguém sobre ele. Não mais. Não porque não lembre mais dele ou não sinta saudades, mas porque sinto que o encontrarei em breve e, no fundo, isso me dá medo.

Quando o céu vira breu, me visto de noite: vestido negro, saltos altos e olhos pintados. Não sou supersticiosa, mas sempre acreditei que pintar os olhos é fechar a alma. Então, de corpo e alma fechados, enfrento o medo e volto ao lugar onde tudo começou.

Nitidamente ainda vejo a porta se abrir, o modo como Marcus entrava nesse bar e como seus olhos de topázio dourado vinham direto para mim. Ele, com aquele jeito felino, me olhava nos olhos, sentava ao meu lado, tragava do meu cigarro, bebia do meu copo, pegava na minha mão e, encostando sua coxa quente na minha, dizia: vem comigo. 

O sangue ferve e eu estremeço lembrando da sensação. É um misto de desejo, alucinação e medo. Você é a razão de existir música em mim, dizia-me ele. E é por isso que venho aqui, para ouvir a música. Então peço outra dose, acendo mais um cigarro e olho para a porta esperando ele vir me buscar.

A porta prende o meu olhar. Estranho. Hoje tudo parece diferente. Devo estar embriagada. Fico entretida, perdida em pensamentos, até que alguém toca minha mão e me convida para dançar. Faz tanto tempo que eu não danço. Por que não? Pensei. Com um sorriso nos lábios pintados de carmim, levanto-me da cadeira e me deixo guiar pelo estranho até o meio do salão. Tudo se move tão rápido e eu não consigo ver o seu rosto.

Como é bom dançar. Por alguns instantes eu sou a música, transpirando melodia pelos poros, acordes em movimentos suaves, intensos. Marcus dançava tão bem. O estranho sem rosto me conduz e deixo-me levar pelo embalo suave. Sinto seus lábios tocarem minha testa e passearem pelo meu rosto. Seu hálito queima minha bochecha e eu queimo por dentro. Meu corpo o deseja e aos poucos eu me rendo. Em um movimento rápido, o estranho enlaça a minha cintura apertando-me contra seu peito e, colando sua boca no meu ouvido, sussurra: vem comigo. Estremeço.

Uma vertigem intensa me abate e o salão gira à minha volta. Suas mãos me apóiam segurando minha cintura. Aquela voz doce, forte... Marcus?! Entre lágrimas e embriaguez esforço-me para conseguir enxergar seu rosto. Marcus? Suspirei atemorizada afastando-me. Todos dançavam sem se dar conta do ocorrido, enquanto nós permanecíamos inertes no meio do salão. Vem comigo, ele repetiu estendendo-me a mão.

Minha visão embaçada por lágrimas não permitia ver o seu rosto. Poderia deixar-me guiar cegamente? Com visão turva e passos trôpegos caminhei em sua direção. Seria este o princípio ou o fim? Ainda incerta segurei a sua mão e caminhamos até a porta. Aquela abertura, um simples movimento daquele pedaço de madeira e meu destino estaria selado. Vem comigo? Ele indagou segurando minhas mãos entre as suas. Assenti com um gesto e abrimos a porta. Você é a razão de existir música em mim, sussurrei em silêncio.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sussurro [24]


Ouço o leve farfalhar de tule, sussurros perfumados de jasmim. Entre juras secretas e amores perdidos, entre ensaios e improvisos, a pequena bailarina dança no silêncio.

Francesca Martins.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O amor comeu...

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas", de João Cabral de Melo Neto.

domingo, 6 de novembro de 2011

Let it burn...


Música: Set Fire To The Rain | Intérprete: Adele

Sussurro [23]


O olhar dela está vazio e no fundo ela sabe que este é um jogo perdido. Sua alma sedenta procura por amor nos lugares errados...
Francesca Martins.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Despedida

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.
"Despedida", de Rubem Braga. Conto extraído do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.