quarta-feira, 31 de março de 2010

Seca

Os olhos de Ana eram negros como a noite, olhos de abismo. A música da velha vitrola se misturava à fumaça do cigarro que inundava a sala. Ana olhou para Leandro tomando o cuidado de não encontrar seus olhos. Os olhos eram as janelas da alma. Ela não sabia mentir com os olhos. Também não queria mentir, só queria silêncio. A presença dele bastava. Bastava? Perguntou a si mesma, enquanto apagava o cigarro no cinzeiro de porcelana francesa. A presença dele basta, pensou mais uma vez. Mas logo aborreceu-se do pensamento. Amor. Teria o poeta português razão ao dizer que amor é fogo que arde sem se ver? Amor era coisa difícil... Sentimento muitas vezes não correspondido. Ela vestia o vestido preferido de Leandro, mas este não havia notado. Olhou para a xícara de café dele. Intocada. Ele estava ali por ela. E ela sabia, mas fazia de conta que não sabia, hoje ela estava amarga. Tinha motivos? Talvez. Quem sabe. Sentiu o olhar dele sob a sua face, precisava fugir; olhou para a grande janela a qual revelava, como em um quadro, o céu límpido. O céu. Deixou seu olhar vagar pela paisagem seca que se mostrava lá fora. Não, vem chuva não, pensou consigo. Mas a seca não estava somente nos campos, outrora verdes. A seca estava dentro dela. Suspirou. A vitrola calou. Sentiu então sob sua mão o contato quente das mãos de Leandro. Estremeceu. Não podia mais fugir, não tinha forças. Ele acabava de abrir a janela. Naquele gesto, Leandro não tocara apenas sua mão, tocara também seu coração. Vencida, pousou seus olhos de abismo na face de Leandro expondo tudo o que sentia. Leandro assustou-se com aquele olhar. Mas logo compreendeu. Ela também sofria. Naquele olhar, naquele silêncio, naquela seca, Leandro enxergou dentro dos olhos de Ana a resposta que buscava há anos. Ela o amava. Sentia sua falta. Ana também o compreendeu. Ele tinha medo. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio... Ele a olhou intensamente, encarando o abismo. Ana encarava sua própria fragilidade.  Leandro finalmente compreendeu: Ana também sentia medo, Ana o amava. Ele a amava. Era preciso romper o silêncio. O silêncio já não falava mais. Leandro já não sentia medo. Deixou-se cair no abismo. Eu te amo, disse ele. Ana sorriu, e o recebeu. Choveu, enfim.
"Seca", texto de Francesca de L. Martins.

Ouvindo:
Ne Me Quitte Pas - (Jacques Brel)
Voz: Maysa


Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
A savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
A coups de pourquoi
Le coeur du bonheur
Ne me quitte pas

quinta-feira, 25 de março de 2010

Jamais


Jamais escrevi, acreditando escrever, jamais amei, acreditando amar, jamais fiz coisa alguma que não fosse esperar diante da porta fechada.  
Frase do livro O Amante, de Marguerite Duras.

Soneto VI

Nasce o sol, e não dura mais que um dia,
Depois da luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria, sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
Soneto VI, de Boca do Inferno.

Obs.: Gregório de Matos e Guerra (Salvador, 23 de dezembro de 1636 — Recife, 26 de novembro de 1695), alcunhado de Boca do Inferno ou Boca de Brasa, foi um advogado e poeta do Brasil Colônia. É considerado o maior poeta barroco do Brasil e o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa, no período. A alcunha boca do inferno foi dada a Gregório por sua ousadia em criticar a Igreja Católica, muitas vezes ofendendo padres e freiras. Criticava também a "cidade da Bahia", ou seja, Salvador.

O tempo passa

O tempo passa. Mesmo quando isso parece impossível. Mesmo quando cada tique do relógio faz sua cabeça doer como se fosse um fluxo de sangue passando por uma ferida. Ele passa desigual, em estranhos solavancos e levando a calmaria embora, mas ele passa. Mesmo pra mim.
Trecho do livro Lua Nova, de Stephenie Meyer.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Circuito fechado

Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo; pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maços de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, blocos de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro. Conto Circuito Fechado (1) , de Ricardo Ramos.

Encerrando ciclos

Enquanto não encerramos um capítulo, não podemos partir para o próximo. Por isso é tão importante deixar certas coisas irem embora, soltar, desprender-se. As pessoas precisam entender que ninguém está jogando com cartas marcadas, ás vezes ganhamos e ás vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é.    Trecho do texto Encerrando Ciclos, de Fernando Pessoa.

terça-feira, 23 de março de 2010

Cárcere das almas

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!
João da Cruz e Sousa.

domingo, 21 de março de 2010

Cegueira bendita

Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!

Não vejo nada, tudo é morto e vago…
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
Estendendo as asas brancas cor do sonho…

Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!…

E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!
Poema do livro A mensageira das violetas, de Florbela Espanca.

21.03 - Dia Mundial da Poesia

Mas o que vou dizer da Poesia? O que vou dizer destas nuvens céu, deste? Olhar, olhar, olhá-las, olhá-lo, e nada mais. Compreenderás que um poeta não pode dizer nada da poesia. Isso fica para os críticos e professores. Mas nem tu, nem eu, poeta algum sabemos nem o que é uma poesia. Federico García Lorca.

Brighter than sunshine

 
...What a feeling in my soul
Love burns brighter than sunshine
It's brighter than sunshine
Let the rain fall I don't care
I'm yours and suddenly you're mine
Suddenly you're mine
And it's brighter than sunshine.
 
Música: Brighter Than Sunshine
Escrita por Matt Hales, Kim Oliver, Ben Hales
Interpretada por Aqualung

sábado, 20 de março de 2010

Das coisas

Meus cabelos captam a voz das coisas
do espaço e do inespaço.
As coisas: fungíveis e infungíveis,
móveis, imóveis e semoventes,
operam o fenômeno ou são o númeno.
Queiramos ou não,
as coisas nos cercam, nos integram,
ou são presença na nossa memória.
E nos espreitam com o enigma
de seu olho plurimático.
Aonde ninguém vai,
aí penetra o olhar de alguma coisas.
Testemunhas de virtudes e munditudes,
de todas as nossas contradições,
do sem-saber-para-onde-ir.
Levam a marca dos nossos
usos e abusos.
Sofrem conosco? Riem conosco? ou de nós?
Confidentes na solidão,
inconfidentes para a perícia.
As coisas nos encantam e desencantam.
Umas coisas, talvez,
nos libertem algum dia,
e outras decerto dependurada
trazem a morte consigo.
As coisas nos mandam e desmandam,
formam, deformam,
informam, transformam.
As coisas nos assaltam e improvisam.
Com o xadrez de situações elaboram
mais a surpresa do que a expectativa.
As coisas nos precederam e nos sucederão.
(É preciso reagir contra certas coisas.)
Sentimo-nos sós no meio das coisas.
Poema do livro Notícias de bordo, de Linhares Filho.

Noite



Noite. As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.  Todos os rumores são postos em surdina, todas as luzes se apagam.
Menotti Del Picchia.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Os versos que te fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda…
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei…
E nesse beijo, amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Poema do livro Soror Saudade, de Florbela Espanca.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Surround me with your love

...Surround me with your love
Understand me I need you now
Surround me with your words
Understand me I need your love.
Música Surround Me With Your Love, de 3-11 Porter.

É preciso não esquecer nada

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos severos conosco,
pois o resto não nos pertence.
Cecília Meireles.

Uma tarde em Paris

Meus dias foram passados solitários, embora a multidão que me acercasse me tomava as horas. Nunca passei as tardes calmas. E às noites, as lembranças me deixavam insone. Estou em Paris. Numa bela tarde de outono, como minha vida e minhas memórias. Ainda sinto o seu perfume e nunca, nada, nem ninguém me adivinhou a alma como o amor que deixei aqui. Falta-me, talvez, coragem para começar e se ainda espero esta tarde prometida é que me sinto viva o suficiente para não deixar escapar a poesia. Foi em um dia como esse. Uma tarde em Paris.
Texto do livro Uma tarde em Paris, de Giselle Del Pino.

14.03 – Dia Nacional da Poesia

O material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e sublime. Seu instrumento é a palavra. Sua função é a de ser expressão verbal rítmica ao mundo informe de sensações, sentimentos e pressentimentos dos outros com relação a tudo o que existe ou é passível de existência no mundo mágico da imaginação. Seu único dever é fazê-lo da maneira mais bela, simples e comunicativa possível, do contrário ele não será nunca um bom poeta, mas um mero lucubrador de versos.   Trecho do livro Para viver um grande amor, de Vinícius de Moraes.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Reencontro

Palavras não descrevem os olhos, as bocas, os braços e abraços, nem a alegria até então desconhecida, surgida de um (re) encontro. Pra quem, há dias atrás, refletia tanto as obras do acaso, hoje compreende que realmente, o acaso não passa de um simples nada, e acredita em algo bem maior que isso. Que levará à um próximo reencontro, sem sombra de dúvidas. Mas até lá, todas as músicas cantadas estarão na mente, todos os sorrisos que ainda não acreditavam no que estava acontecendo, todos os olhares que transpareciam toda a magia do momento.
Caio Fernando Loureiro de Abreu.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Recordações


Conservar algo que possa recordar-te
seria admitir que eu pudesse esquecer-te.
William Shakespeare.

Recomeços



Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas.
Mário Quintana.

Verso Puro


Quem me dera encontrar o verso puro,
Que dissesse a chorar isto que sinto!
Florbela Espanca.

Lua Adversa

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Cecília Meirelles.

Soneto Antigo

Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.

Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.

O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.

Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
Cecília Meireles.

Noite por Dentro


Noite igual por dentro ao silêncio,
Noite com as estrelas lentejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.
Álvaro de Campos.
Obs.: Álvaro de Campos é um dos heterónimos mais conhecidos de Fernando Pessoa.

Canção de Outono

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.


Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,

menos que as folhas do chão...
Cecília Meireles.

Liberdade




"...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."
Cecília Meireles.

O anel de vidro

Aquele pequenino anel que tu me deste,
– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…
Assim também o eterno amor que prometeste,
– Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, –
Aquele pequenino anel que tu me deste,
– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste…
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste…
Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho.

terça-feira, 9 de março de 2010

Aparência


Terei toda a aparência de quem falhou,
e só eu saberei se foi a falha necessária.
Clarice Lispector.

Incompreensão


Bom te ver sorrir, disse tímido.
Era amor, mas ela não entendeu.
Drex Alvarez.

domingo, 7 de março de 2010

Fui Menina

Havia um mar, e ali brotava uma ilha cercada de lobos e de pensamentos. Havia um fundo de luz e escuridão onde vagavam os afogados, e os náufragos dançavam com sereias. Havia ansiedade e abraço. Havia âncora e vaguidão e areias. Brinquei com peixes e anjos, fui menina e fui rainha, acompanhada e largada, sempre a meia altura do chão. A vida um barco, remos ou asas: tudo real, registrado, e tudo invenção.    Trecho do livro Mar de dentro, de Lya Luft.

O Mar Respira

Aquela criança são muitas:
São mulheres, são pássaros
(são bruxas),
Foram galhos da mesma raiz
Da minha história.

Com seu olhar de retrato
e as roupas de criança,
traçando um passado e futuro,
desenharam o jardim
das improváveis memórias.
Texto do livro Mar de dentro, de Lya Luft.

O Silêncio

Convivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, não quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio...   
Mario Quintana.

Esquecimento



Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
Mario Quintana.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Sonhando


Escravo dos sentidos,
não sei se vivo o sonho ou se sonho vivo.
Roger Beier.

A Casa no Mar

Era uma vez um corredor de amores,
e uma casa ancorada no tempo da vida
para não naufragar.

Era uma vez viagens e descobrimentos.
Era uma vez uma infância dourada
e um quebra-cabeças impossível de armar.

Era uma vez — ainda, um ser que respirava em mim
como um cavalo alado
— aquele mar.
Texto do livro Mar de Dentro, de Lya Luft.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Renda-se


Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.
Clarice Lispector.

Individualista

Tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, não me venha com essa história de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, nunca tive porra de ideal nenhum, só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista, capitalista, só queria ser feliz, cara.    Caio Fernando Loureiro de Abreu.

Enfrentando o Inverno

 Eu que não fumo, queria um cigarro.
Eu que não amo você,
Envelheci dez anos ou mais nesse último mês.
Eu que não bebo, pedi um conhaque pra enfrentar o inverno
Que entra pela porta que você deixou aberta ao sair...
Música Eu que não amo você - Engenheiros do Hawaii.