quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A escola

Existem muitas coisas na vida, ou muitas vidas nas coisas, não sei. Em um desses momentos nublados, como quase todos os dias em que as boas novas acontecem, ouvi que o amanhã é sempre um lugar invisível, uma aspiração. Lembro ter demorado um bom tempo para entender que aspiração não é o mesmo que respiração. O importante é que passei a ver a vida dessa forma. Uma aspiração. Uma espécie de caminho escuro por onde, obrigatoriamente, temos que passar, mesmo sem enxergar muito bem o que vem pela frente.E esse tal de “o que vem pela frente” sempre me assustou, mas não poderia ser diferente, porque, de alguma forma, desde menino, possuo a infeliz capacidade de projetar inutilmente o que vem pela frente. A princípio, parece simples. Basta imaginar todas as variáveis possíveis. Um exemplo: amanhã é seu primeiro dia na escola, o que poderá acontecer? você pode se sentir excluído e achar que está no lugar errado na hora errada; a professora poderá fazer algum comentário esquisito sobre o seu nome, que é mais esquisito que qualquer comentário dos mais esquisitos, e os colegas podem passar o resto da vida rindo de você; na hora do recreio, por conta de uma casca de qualquer coisa jogada em um lugar estrategicamente reservado para alguém como você, cabeça nas nuvens, um escorregão infame pode fazer a escola tremer das gargalhadas que os colegas vão soltar, o pior é que vão passar a vida inteira rindo de você; apesar de improvável, você pode se tornar o centro de todas as atenções por ser o mais bonito, o mais inteligente, o mais simpático, essas coisas; não esquecendo que pode haver uma queda de energia e a aula ser cancelada. No meu caso, no primeiro dia de aula, tudo era muito assustador e os que já tinham suas amizades pareciam unidos há décadas.Sinceramente, eu não acreditava que pudesse ser o mais isso ou aquilo na escola. Minha popularidade se restringia ao momento em que minha mãe, sempre prestativa, embora com certos exageros, aparecia com a merenda. Havia um portão de ferro enorme que dava acesso à quadra. Dali, todos os dias pouco antes de começar o recreio, ouvia seu chamado materno. Aliás, todo o colégio ouvia. Aos poucos, mamãe foi se tornando de dentro da escola. Estava presente em todas as atividades extracurriculares, sempre com um apetitoso manjar. Confesso que foi difícil acostumar com essa história. No final, graças à persistência de minha mãe e às suas campanhas contra a incapacidade nutritiva dos lanches da cantina, já havia mais de quinze mães com seus pratinhos e seus copinhos recheados de coisas deliciosas, preparadas por mãos interessadas na saúde e no bem-estar de cada um daqueles sortudos meninos. Pena que os filhos não pensavam assim, então virei alvo de perseguição por algum tempo. Afinal, como é difícil entender que um corpulento pastel de carne, uma coxinha bem recheada, um pão-de-queijo suadinho, tudo isso não é nada perto de um bom e saudável iogurte. A partir daí, passei a procurar meninos iguais a mim, perdidos também, fechados na própria cabeça, encostados na parede como sombras. Tive alguns amigos. É incrível como, por mais que se tente prever alguma coisa, sempre, mas sempre mesmo, o diferente chega e nos surpreende completamente, mudando tudo aquilo que pensamos ser inalterável.
Texto A Escola, de Sinval Farias.

http://profsinvalfarias.blogspot.com/

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