sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Pássaros

Voando em formação semelhante a um arco, pássaros seguem rumo ao horizonte num céu de entardecer. Apelo irresistível atrai esses migrantes que, para a Ciência, vão em busca da sobrevivência tão logo se manifestam os sinais de escassez de alimento e de mudanças no clima. Mesmo correndo riscos extraordinários e despendendo alto custo energético, bandos e manadas se põem a caminho quando é chegado o momento. Não incomodam, não desacatam, não resistem, não agridem. Silenciosamente e obedientes ao instinto, que é a sabedoria dos bichos, batem em retirada sem que nos demos conta de sua ausência.

Mistérios. Desde a antiguidade, o aparecimento e o desaparecimento dos pássaros deixa naturalistas inquietos. Informações na anilha – o anel metálico colocado em indivíduos de várias espécies, com dados que auxiliam no seu rastreamento – revelaram, por exemplo, que uma batuíra abatida por um caçador em São Paulo saíra de Washington, D.C., distante cerca de 10 mil quilômetros. Falcões peregrinos já voaram da Groenlândia até a capital paulista, e um filhote de albatroz, anilhado numa ilha próxima à Nova Zelândia um mês antes, veio morrer a 6 km ao sul de Tramandaí, no Rio Grande do Sul.

Migrantes rumo à eternidade, nossa peregrinação não é majestosa como a dos animais terrestres, nem silenciosa como a dos pássaros. Distraímo-nos pela caminhada, perdemo-nos em conflitos. Em surpreendente compulsão, aceleramos o carro para ver o pedestre que atravessa a rua, fora da faixa ou dentro dela, se assustar e correr. Desprezamos nossos velhos, seguimos aniquilando nosso habitat e abatendo silenciosos parceiros de migração. Em nome do nosso egoísmo e de nossas ambições, deixamo-nos guiar pelo instinto de um individualismo suicida.

Se de um lado, para nós ausência que dói é a que nos deixa incompletos, de outro seguimos tentando preencher o vazio de alguma dor com a largueza de nossos sonhos. Tantas vezes incapazes de conter a expansão avassaladora do ego, somos levados a crer que a vida – nossa migração – só vale a pena se chegarmos sempre na frente, vencedores de uma corrida onde ganham os que furam a fila no cinema, os que praticam a rapinagem com o dinheiro público, os que manipulam covardemente a boa fé de seus iguais. Por isso não há tempo a perder com parceiros de caminhada ultrapassados pela nossa ambição. Solidariedade, só negociada.

Pobres de nós, solitários migrantes para quem o nomadismo – já se disse – é o outro nome da liberdade. Ruidosos e desengonçados, vamos em frente agitando asas feitas de ilusão. Queremos descobrir, como na letra da canção, onde os ventos morrem e para onde vão as estórias. Mais que isto, nossa meta está mais além: fincar no infinito a nossa bandeira e, se possível, nos transformamos em donos da história.

Apesar de tudo, fica no ar a sensação de que pássaros migrantes são mais sábios em sua simplicidade. Um terço de todas as espécies catalogadas bate em retirada a cada ano e, destes, metade morre ou permanece no exílio, enquanto a outra metade retorna ao local de origem. Missão cumprida, a vida se renova.

Quanto a sonhos, também os pássaros os têm, encantadoramente singelos. Segundo publicou a revista Science, pesquisadores de Chicago concluíram, após estudos realizados com determinada espécie, que os pássaros sonham com seus cantos.
Eduardo Lara Resende.

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