terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Poesia, Vicia e Mata

Poesia é uma droga. Corrompe a gente. No primeiro contato você nem gosta tanto. Mas, sem que você planeje ou procure, a poesia te encontra de novo. E lá está você, se entorpecendo. Começa a curtir a onda, percebe que dá barato... e pronto. Ela te corrompe até te dominar.

Você acha que ela é inofensiva, mas não é. Ela te corrompe até te dominar, escute bem isso. Para fazer qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, você precisa dela – poesia maldita. Chega um ponto que você pira. Você consome tanto, mas quer sempre mais e mais e mais e mais e mais e mais e mais e mais e mais e mais e mais e mais e começa a ver poesia em tudo: em bunda, em poste, em madeira, em nuvem e até em gente morta. Qualquer coisa só faz sentido para você por causa da droga. Tem que ter poesia para você curtir a vida.

Você chega ao ponto de xingar Deus. E ainda acha bonito: “É barroco!” Também pudera. Quem começa com alguns versinhos, dia ou outro, logo, logo salta para alguns sonetos “só nos fins de semana”. Ledo engano. O próximo final de semana demora, maluco. “Segunda-feira é sagrado”, eu sei. Já na terça, que mal há uma trovinha, ou uma odesinha?! Coisa pouca. Bobagem.

Vicia neguinho. Escuta o que eu estou te falando: droga vicia e mata. Aposto que você acha que poesia não mata. É assim mesmo. Depois, você mesmo chama pela morte. A poesia transborda tanto na sua vida, que você começa a achar que as belezas daqui não têm mais mistério. E você quer mais, sempre mais. E vai buscar nos enigmas da morte outras belezas que encantem mais o seu torpor. Conheço muitos que morreram assim: over-dose de poesia. Não acredita? Sá Carneiro, conhece? Nem procure saber. Não se aproxime de gente assim. Poesia corrompe a gente, eu já te disse.

Escute o que eu estou falando: poesia é droga. Quer ficar de boa? Fuma um baseadinho e vai ver a vida passar. Mas fuja da poesia. É droga pesada, cara, sai dessa. Se não, quando você se der conta, estará ouvindo vozes. É impossível controlar. Elas formulam palavras que te confundem e que lhe pesam como chumbo. Reproduzem som ritmado que te envolve e repetem rimas para te manter atento.

Escuta o que eu estou te falando: poesia é droga. Poesia libera enzimas que afetam todos os seus sensores, e estimulam todos os seus hormônios. A adrenalina vai a mil e o coração dispara. As pupilas se dilatam para captar mais luz, ao extremo de você se julgar capaz de enxergar no escuro. Se misturar poesia a álcool então... é bomba! E o que é pior: nem te dá ressaca.

Poesia te engana e você nem percebe. Vicia, neguinho. E quando ela te falta, você passa noite em claro tentando encontrar ao menos uma linhasinha para saciar teu vício. E se você não a encontra, o peito dói. A garganta fica seca e você quer apenas chorar. E nem derramar lágrimas você pode mais, porque seu corpo também depende dela - droga maldita.

Então, escuta o que eu estou te falando. Mexe com poesia não, cara. Fica de boa. Fuma um baseadinho e vai ver a vida passar.

Ouvindo:
O Outro - (Mário de Sá Carneiro)
Voz: Adriana Calcanhoto

Eu não sou eu
Nem sou o outro,
Sou qualquer coisa
De intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim
Para o outro.

Texto Cabeça Ativa, de Daniel Silveira.

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