quinta-feira, 27 de maio de 2010

A palavra como silêncio

Há uma dimensão sagrada na palavra: ela supõe o silêncio. Escrever é buscar a voz alguma da escrita, o que jamais pode ser dito, e o dito torna-se sempre o intraduzível. Todo poema fracassa. Todo conto incidi uma derrota, a lástima da língua é o romance. Para que serve a Literatura? Para promover silêncios. Para fundamentar o não-dito. Não há outra função originária para o escritor: ele frustra a língua. Assim, nenhum escritor tem voz. Talvez o que possamos supor como berro, grito, rufo da voz seja, em verdade, tímido ruído de algum verbo. Todo escritor é abstrato. E não seria exagero supor que sua existência é a ficção de algum verbo, de alguma palavra, de alguma língua que, por sua vez, também é ficcional. Silenciar a língua, o corpo, as nódoas da carne e da alma. Silenciar o orvalho, o acrobatismo dos bêbados, as desilusões da infância. Silenciar a rua, a brisa, a bruma, as suposições, todas as fomes. Silenciar também as formas. Todas as estéticas. Silenciar o silêncio. Toda palavra é túmulo. Todo escritor é lápide.
"A Palavra como Silêncio", de Renato Pessoa.

Um comentário:

  1. ...e eu me faço lápide diante da magnitude da vida e dos frágeis ensaios, os quais, por eles, tento traduzir sentimentos e sensações por meio da palavra. Mas as palavras, realmente, não dão conta do abstrato... Não se bastam a si mesmas: há o intraduzível...!

    Bjs,

    Ramirez Gurgel

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