quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ed sempre

Um conto de dois mundos 
As fornalhas tingiam o céu de um amarelo esquecimento.
A cidade roncava na colina abaixo.
Menos um. Apenas um. Olhava esperançosamente por entre as ameias.
Um fruto de contentamento nascia de seu olhar. Eram duas da manhã.
Um novo dia já despontava em seu semblante. Para ele, novos dias longe dali, era tudo o que possuía.


O cargo que hoje exercia como capataz seria apenas um sonho, não, simplesmente um desconfortante devaneio tardio.

A mulher, erodida pelo tempo, que sedimentava sua cama e seu gozo, seria também apenas uma meada de algo que não foi. Apenas algo que nunca fora.

E as passadas das horas fazem trilhas pelas nuvens. São quatro da manhã.

Ainda fita o teto. Mas não é tijolo o que contempla, são possibilidades, são histórias não vividas. Senta. Esfrega os olhos. Sente. O tremor levemente toma-lhe o vigor das mãos. Já são quarenta e dois anos naquelas montanhas. Os óculos, onde estão? Não sabe. Mas conhece o paradeiro do medo. Aquele, de viver mais quarenta e tantos encarando o mesmo azedume do espelho, o charco em que havia transformado sua existência, algo que zombava daquilo que acreditavam ser a semelhança ao próprio Deus.

É. Havia o tempo.

Não tinha mais tempo. Precisava agir.

Seu destino, um copo d'água de torneira frente ao espelho algoz.

Navalha. Carne. Liberdade. Enquanto a vista escurecia, a mente ganhava a luz. A tão sonhada luz, fugidia daquela parte do mundo, do seu mundo.

Já não era mais velho, ou mesmo criança, era idéias, sonhos, esperanças. Apenas desígnios. O que sobrara, traçava ascendente rota sobre as choupanas. Podia sentir o vento ainda. O que foi um dia, não fazia mais questão, não se importava. Para ele, eternamente, só lhe valia o adiante.

E assim, seguiu-se o sempre daquele que em vida não o era mais do que aquilo que se tornara após a morte: sonhos, e bons sonhos.
Pedro Xudré.
http://xudre.tumblr.com/

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