terça-feira, 12 de outubro de 2010

Entorpecimento

Ao abrir os olhos ela sabia exatamente onde se encontrava. A lua estava baixa no céu. Enrolou o casaco em volta das pernas, tremendo ligeiramente, sem pensar em nada. Havia uma parte de sua mente que estava dolorida, que precisava descansar. Como era bom estar apenas deitada ali, existir sem fazer perguntas. Sabia com certeza que, se quisesse, poderia lembrar tudo que acontecera. Precisava apenas de um pequeno esforço. Porém sentia-se bem do jeito que estava, com aquela cortina opaca no meio. Não seria ela quem a levantaria para contemplar de novo o abismo de ontem, para sofrer e suportar seu remorso. Naquele momento o que acontecera antes estava indistinto, irreconhecível. Afastou o pensamento daquilo de maneira resoluta, recusando-se a examiná-lo, esforçando-se ao máximo para erguer uma barreira segura entre eles. Semelhante ao inseto que vai fazendo seu casulo cada vez mais espesso e resistente, seu pensamento prosseguia fortalecendo aquela tênue divisão, o lugar perigoso de seu ser.
 Trecho do livro The Sheltering Sky, de Paul Bowles.

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