segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O nome dele era Marcus

O nome dele era Marcus. Eu não costumo falar à ninguém sobre ele. Não mais. Não porque não lembre mais dele ou não sinta saudades, mas porque sinto que o encontrarei em breve e, no fundo, isso me dá medo.

Quando o céu vira breu, me visto de noite: vestido negro, saltos altos e olhos pintados. Não sou supersticiosa, mas sempre acreditei que pintar os olhos é fechar a alma. Então, de corpo e alma fechados, enfrento o medo e volto ao lugar onde tudo começou.

Nitidamente ainda vejo a porta se abrir, o modo como Marcus entrava nesse bar e como seus olhos de topázio dourado vinham direto para mim. Ele, com aquele jeito felino, me olhava nos olhos, sentava ao meu lado, tragava do meu cigarro, bebia do meu copo, pegava na minha mão e, encostando sua coxa quente na minha, dizia: vem comigo. 

O sangue ferve e eu estremeço lembrando da sensação. É um misto de desejo, alucinação e medo. Você é a razão de existir música em mim, dizia-me ele. E é por isso que venho aqui, para ouvir a música. Então peço outra dose, acendo mais um cigarro e olho para a porta esperando ele vir me buscar.

A porta prende o meu olhar. Estranho. Hoje tudo parece diferente. Devo estar embriagada. Fico entretida, perdida em pensamentos, até que alguém toca minha mão e me convida para dançar. Faz tanto tempo que eu não danço. Por que não? Pensei. Com um sorriso nos lábios pintados de carmim, levanto-me da cadeira e me deixo guiar pelo estranho até o meio do salão. Tudo se move tão rápido e eu não consigo ver o seu rosto.

Como é bom dançar. Por alguns instantes eu sou a música, transpirando melodia pelos poros, acordes em movimentos suaves, intensos. Marcus dançava tão bem. O estranho sem rosto me conduz e deixo-me levar pelo embalo suave. Sinto seus lábios tocarem minha testa e passearem pelo meu rosto. Seu hálito queima minha bochecha e eu queimo por dentro. Meu corpo o deseja e aos poucos eu me rendo. Em um movimento rápido, o estranho enlaça a minha cintura apertando-me contra seu peito e, colando sua boca no meu ouvido, sussurra: vem comigo. Estremeço.

Uma vertigem intensa me abate e o salão gira à minha volta. Suas mãos me apóiam segurando minha cintura. Aquela voz doce, forte... Marcus?! Entre lágrimas e embriaguez esforço-me para conseguir enxergar seu rosto. Marcus? Suspirei atemorizada afastando-me. Todos dançavam sem se dar conta do ocorrido, enquanto nós permanecíamos inertes no meio do salão. Vem comigo, ele repetiu estendendo-me a mão.

Minha visão embaçada por lágrimas não permitia ver o seu rosto. Poderia deixar-me guiar cegamente? Com visão turva e passos trôpegos caminhei em sua direção. Seria este o princípio ou o fim? Ainda incerta segurei a sua mão e caminhamos até a porta. Aquela abertura, um simples movimento daquele pedaço de madeira e meu destino estaria selado. Vem comigo? Ele indagou segurando minhas mãos entre as suas. Assenti com um gesto e abrimos a porta. Você é a razão de existir música em mim, sussurrei em silêncio.

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