terça-feira, 5 de abril de 2011

Lúcia

Não me posso agora recordar das minúcias do traje de Lúcia naquela noite. O que ainda vejo neste momento, se fecho os olhos, são as nuvens brancas e nítidas, que se frocavam graciosamente, aflando com o lento movimento de seu leque; o mesmo leque de penas que eu apanhara, e que de longe parecia uma grande borboleta rubra pairando no cálice das magnólias. O rosto suave e harmonioso, o colo e as espáduas nuas, nadavam como cisnes naquele mar de leite, que ondeava sobre formas divinas.

A expressão angélica de sua fisionomia naquele instante, a atitude modesta e quase tímida, e a singeleza das vestes níveas e transparentes, davam-lhe frescor e viço de infância, que devia influir pensamentos calmos, senão puros. Entretanto o meu olhar ávido e acerado rasgava os véus ligeiros e desnudava as formas deliciosas que ainda sentia latejar sob meus lábios. As sensações amortecidas se encarnavam de novo e pulsavam com uma veemência extraordinária. Eu sofria a atração irresistível do gozo fruído, que provoca o desejo até a consunção; e conheci que essa mulher ia se tornar uma necessidade, embora momentânea, da minha vida.
Trecho do capítulo V do livro Lucíola, de José de Alencar.

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