segunda-feira, 19 de abril de 2010

Noite Insone

São quase onze. O tic-tac do relógio soa seco enquanto as horas se arrastam preguiçosamente. O silêncio que ecoa pela casa é ensurdecedor... Presságios de mais uma noite insone.

Decidi então me sentar no chão frio do quarto, defronte a janela, e escrever. Escrever meio sem rumo, para passar o tempo e ver o sono chegar de mansinho. Escrever para enfim colocar em palavras o que me inquieta a alma.

Não escrevo para ti Clarice. Não escrevo para ninguém.

Talvez eu escreva - em desabafo - para a Saudade. Esta elegante dama que vem visitar-me todas as noites, desde que você partiu. A Saudade vem ao meu encontro, cingida por um belíssimo manto negro adornado de estrelas, meigos olhos de luar e um pequeno-sorriso-triste... Sempre triste.

A quem quero enganar? A mim mesmo? A Saudade?

Não escrevo para a Saudade, pois esta já conhece meu tormento. Escrevo para ti Clarice. Confesso que na esperança - sempre vã - de te ver chegar, cumpro todas as noites o mesmo ritual, deixando sempre a porta do quarto aberta. E por esta mesma porta a Saudade entra, e me faz companhia. Como agora: Enquanto escrevo, ela me observa. Não diz palavra alguma. Apenas me olha, e entende o meu silêncio.

No desabrochar destas noites insones, quando o meu perigo aumenta, é ela quem me acalenta, que me envolve num abraço cheio de lembranças perfumadas com a tua essência. Caio tinha razão quando me disse: "...chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dela, em algum cheiro o cheiro preciso dela".

Recebi as cartas que me enviaste Clarice. Confesso que não entendo o porquê destas não possuírem remetente, nem assinatura. Como descobri que são tuas? Ah! O doce perfume que exala de cada página, tua caligrafia perfeita, e o teu português excelentíssimo são inconfundíveis. Você me fala de sua nova vida, de seu recomeço, e sobre como os teus dias tem sido difíceis. Passei dias a chorar tuas dores, minha querida.

Mas, por favor, permita-me neste momento ser um tanto egoísta e falar somente da minha Saudade, a chorar somente a minha dor, e te dizer como me sinto. Permita-me não te ouvir falar de suas angustias, nem de como foi seu dia, ou como você chora olhando a chuva cair por sobre as noites frias. Quero apenas que me escute, que me leia com atenção.

Estou cansado. Sinto dores. Lágrimas não choradas e uma tristeza que não posso - e nem quero - comunicar a ninguém. Sinto sua falta. Me dói a tua ausência. Falta-me a alegria do teu sorriso, o mel da tua voz, o chocolate-quente dos teus olhos, o calor do teu abraço e a ternura-paixão dos teus beijos. Tentei esquecer-te, mas inevitavelmente me lembro de ti. Pois é impossível não notar a ausência do teu prato sobre a mesa, do teu cheiro pela casa, das tuas roupas pelo chão. E mesmo tentando não sentir tua falta, simplesmente a sinto.

A porta continua aberta minha querida.
Sempre teu,
Gurgel.
"Noite Insone", de Francesca de L. Martins.

2 comentários:

  1. Parabéns Francesca, de um jeito amoroso, poético e profundo capitou a essência do amor perdido, que em suma dói por igual, seja homem ou mulher.

    Bravo.

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