sábado, 10 de abril de 2010

Melancolia

Hoje estou longe do mar, mas suas cores todas as trago dentro de mim feito um verso não escrito, um beijo de amor interrompido, um sonho de que despertei cedo demais. Entanto, há esta taça de vinho ao alcance da mão e toda a solidão que carrego nesse momento em que, aos poucos, me reencontro longamente comigo mesmo. Claro que hoje estou melancólico como quem foi traído de amor e cuja alma rescende a bolores. De onde estou sempre vejo o mar por mais longe que ele esteja. Por vezes, suas espumas, dolorosas, feito um bordão plangente, se tornam tecelãs impiedosas do meu desavim.

Daí, bebo do vinho, vejo um filme de Oscarito, ouço canções de Carnaval, danço um tango argentino, leio poemas fesceninos, ligo para os amigos do peito e lhes imploro que me contem piadas obscenas para que se desate em mim a gargalhada liricamente redentora. Claro que agora já não estou tão melancólico, tão desencantado de mim mesmo quanto dantes, pois o que sou jamais além me escrevo. O mar não é mais somente o lamento carpido de mulheres de finados pescadores, mas uma bem-aventurança indizível que me assalta o coração numa tarde encantada de um dia qualquer.

Uma lua cheia começa a despontar no céu com o mesmo brilho amarelado dos olhos do grande gato gordo que vive a caçar pombos invisíveis no telhado em frente. Talvez esse grande gato gordo, eterno soberano dos telhados e dos mistérios noturnos, seja uma metáfora de mau gosto de mim mesmo, eu, suburbano caçador de palavras que me explicam e não explicam o mundo. Sei que não há nenhuma palavra que explique o mundo, pelo menos da maneira como eu queria. A melancolia não passa de um mero reflexo dessa minha natural incompetência existencial.

Ora, pois, pois. A vida é tão pequena e seus acúmulos, se por acaso os houver, não são somente de dor, porém de tudo, de tudo. Sim, repito: de tudo. Acendo um cigarro, tão estúpido que sou, escrevo frases que nem sei de onde me chegam feito um milagre eternamente repetido e que, maravilhosamente, ainda consegue me assombrar e iluminar a alma. Gosto de brincar com palavras, erguer com elas meus castelos de cartas como antigamente construía castelos de areia na beira da praia. Eu continuo sendo aquele menino de olhos encantados com o mundo. Para sempre.
Crônica Melancolia, de Airton Monte.

Um comentário:

  1. que lindo o texto, boas descrições, mas nada cansativo. muito bom mesmo ;)
    "A melancolia não passa de um mero reflexo dessa minha natural incompetência existencial."
    foi uma boa explicação do que é melancolia a meio do texto.
    quando bebemos e fumamos há uma parte em nós que se inspira para a escrita, como se uma casa fechada à anos se abrisse e mostrasse a todos os segredos de quem alguma vez morou lá.


    beijo

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