segunda-feira, 28 de março de 2011

Sina

o poeta virou
uma nota de
pé de página.
triste sina
a do poeta
que não sabe
voar.
"Sina", de Marcelo Lavor.

Sussurro [4]

teus olhos.
noite por dentro, por fora.
um copo, um cigarro, luzes e neon.
noite nas ruas regadas pela chuva fria.
noite.
Francesca Martins.

domingo, 27 de março de 2011

Consentimento

Com sentimento?
Não!
Sem sentimento

Consentimento
Não desperte meus sentimentos!
Inflame meus sentidos...
Sem sentimento

Consinto
Sinto falta de sentimento
Sinto
Breu. Vazio...

Sem sentimento
Sem dor?
Mentira...
Lêda se engana...
"Consentimento", de Francesca Martins.

Mofo

A vida é breve, querido. Breves são os prazeres na eternidade em que duram, a mulher sussurrou em silêncio.

Há anos as palavras mofavam nos cantos do quarto escuro. Porém, hoje seria diferente. Ela fitava o homem friamente observando seu sono. Ridículo. Parecia um porco dormindo após cevar sua fome. Enojada, levantou-se da cama e banhou-se; vestiu roupas pretas; pintou-se; perfumou-se; calçou os sapatos; tirou o 38 da bolsa e, com um sorriso maligno, vingou-se.

O silêncio morreu.

"Mofo", de Francesca Martins.

Sussurro [3]

Noite.
Silêncio.
Inferno por dentro.
Inverno por fora.
Francesca Martins.

Sussurro [2]

Em noites frias e chuvosas...
Eu sinto sede da tua sede.
Francesca Martins.

sábado, 26 de março de 2011

No que depender de mim

 

Tenho repetido que, no que depender de mim, me recuso a ser infeliz.
Caio Fernando Abreu.

terça-feira, 22 de março de 2011

O vento



  Sempre que me acontece alguma
 coisa importante, está ventando.

Trecho do livro "O Continente" (Cap. Ana Terra), de Érico Veríssimo.

Ana Terra

Ana sentia-se animada, com vontade de viver, sabia que por piores que fossem as coisas que estavam por vir, não podiam ser tão horríveis como as que já tinha sofrido. Esse pensamento dava-lhe uma grande coragem. E ali deitada no chão a olhar para as estrelas, ela se sentia agora tomada por uma resignação que chegava quase a ser indiferença. Tinha dentro de si uma espécie de vazio: sabia que nunca mais teria vontade de rir nem de chorar. Queria viver, isso queria, e em grande parte por causa de Pedrinho, que afinal de contas não tinha pedido a ninguém para vir ao mundo. Mas queria viver também de raiva, de birra. A sorte andava sempre virada contra ela. Pois Ana estava agora decidida a contrariar o destino. Ficara louca de pesar no dia em que deixara Sorocaba para vir morar no Continente. Vezes sem conta tinha chorado de tristeza e de saudade naqueles cafundós. Vivia com o medo no coração, sem nenhuma esperança de dias melhores, sem a menor alegria, trabalhando como uma negra, e passando frio e desconforto... Tudo isso por quê? Porque era a sua sina. Mas uma pessoa pode lutar contra a sorte que tem. Pode e deve. E agora ela tinha enterrado o pai e o irmão e ali estava, sem casa, sem amigos, sem ilusões, sem nada, mas teimando em viver. Sim, era pura teimosia. Chamava-se Ana Terra. Tinha herdado do pai o gênio de mula.
Trecho do livro "O Continente" (Cap. Ana Terra), de Érico Veríssimo.

Inquietude

Ana estava inquieta. No fundo ela bem sabia o que era, mas envergonhava-se dos seus sentimentos. Queria pensar noutra coisa, mas não conseguia. E o pior é que sentia os bicos dos seios (só o contato com o vestido dava-lhe arrepios) e o sexo como três focos ardentes. Sabia o que aquilo significava. Desde os seus quinze anos a vida não tinha mais segredos para ela. Muitas noites quando perdia o sono, ficava pensando em como seria a sensação de ser beijada, penetrada por um homem. Sabia que esses eram pensamentos indecentes que devia evitar. Mas sabia também que eles ficariam dentro de sua cabeça e de seu corpo, para sempre escondidos e secretos, pois nada nesse mundo a faria revelar a outra pessoa – nem à mãe, nem mesmo à imagem da Virgem ou a um padre no confessionário – as coisas que sentia e desejava. [...] Pensava nas cadelas em cio e tinha nojo de si mesma.
Trecho do livro "O Continente" (Cap. Ana Terra), de Érico Veríssimo.

O tempo

Era assim que o tempo se arrastava, o sol nascia e se sumia, a lua passava por todas as fases, as estações iam e vinham, deixando sua marca nas árvores, na terra, nas coisas e nas pessoas.

Trecho do livro "O Continente" (Cap. Ana Terra), de Érico Veríssimo.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Sussurro [1]

Precisava fugir
Buscou abrigo dentro de si:
fechou os olhos
Francesca Martins.

domingo, 13 de março de 2011

Tempo de delicadeza

Sei que as pessoas estão pulando na jugular uma das outras.
Sei que viver está cada vez mais dificultoso.
Mas talvez por isso mesmo ou, talvez, devido a esse maio azulzinho, a esse outono fora e dentro de mim, o fato é que o tema da delicadeza começou a se infiltrar, digamos, delicadamente nesta crônica, varando os tiroteios, os seqüestros, as palavras ásperas e os gestos grosseiros que ocorrem nas esquinas da televisão e do cinema com a vida.
Talvez devesse lançar um manifesto pela delicadeza. Drummond dizia: "Sejamos pornográficos, docemente pornográficos". Parece que aceitaram exageradamente seu convite, e a coisa acabou em "grosseiramente pornográficos". Por isso, é necessário reverter poeticamente a situação e com Vinícius de Morais ou Rubem Braga dizer em tom de elegia ipanemense:
Meus amigos, meus irmãos, sejamos delicados, urgentemente delicados.
Com a delicadeza de São Francisco, se pudermos.
Com a delicadeza rija de Gandhi, se quisermos.
Já a delicadeza guerrilheira de Guevara era, convenhamos, discutível. Mas mesmo ele, que andou fuzilando pessoas por aí, também andou dizendo: "Endurecer, sem jamais perder a ternura".
Essa é a contradição do ser humano. Vejam o nosso sedutor e exemplar Vinícius, que há 20 anos nos deixou, delicadamente.
Era um profissional da delicadeza. Naquela sua pungente "Elegia ao primeiro amigo" nos dizia:

   Mato com delicadeza. Faço chorar delicadamente.
   E me deleito. Inventei o carinho dos pés; minha alma
   Áspera de menino de ilha pousa com delicadeza sobre um corpo de adúltera.
   Na verdade, sou um homem de muitas mulheres, e com todas delicado e atento.
   Se me entediam, abandono-as delicadamente, despreendendo-me delas com uma doçura de água.
   Se as quero, sou delicadíssimo; tudo em mim
   Deprende esse fluido que as envolve de maneira irremissível
   Sou um meigo energúmeno. Até hoje só bati numa mulher
   Mas com singular delicadeza. Não sou bom
   Nem mau: sou delicado. Preciso ser delicado
   Porque dentro de mim mora um ser feroz e fraticida
   Como um lobo.

Esta aí: porque somos ferozes precisamos ser delicados. Os que não puderem ser puramente delicados, que o sejam ferozmente delicados.
Houve um tempo em que se era delicado. E houve um tempo em que, citando poetas, até se citava Rimbaud. Esse Rimbaud que Paulo Hecker Filho acabou de retraduzir no livro Só poema bom e o Leandro Konder reinventou numa moderna trama policial em A morte de Rimbaud.
Pois aquele Rimbaud, que aos dezessete anos já tinha feito sua obra poética, é quem disse um dia: "Por delicadeza, eu perdi minha vida."
Intrigante isso.
Há pessoas que perdem lugar na fila, por delicadeza. Outras, até o emprego. Há as que perdem o amor por amorosa delicadeza. Sim, há casos de pessoas que até perderam a vida, por pura delicadeza. Não é certamente o caso de Rimbaud, que se meteu em crimes e contrabandos na África. O que ele perdeu foi a poesia. E isso é igualmente grave.
Confesso que buscando programas de televisão para escapar da opressão cotidiana, volta e meia acabo dando em filmes ingleses do século passado. Mais que as verdes paisagens, que o elegante guarda-roupa, fico ali é escutando palavras educadíssimas e gestos elegantemente nobres. Não é que entre as personagens não haja as pérfidas, as perversas. Mas os ingleses têm uma maneira tão suave, tão fina de serem cruéis, que parece um privilégio sofrer nas mãos deles.
Tudo é questão de estilo.
Aquele detestável Bukovski, sendo abominável, no entanto, num poema delicado dizia que gostava dos gatos, porque os gatos tinham estilo. É isso. É necessário, com certa presteza, recuperar o estilo felino da delicadeza.
A delicadeza não é só uma categoria ética. Alguém deveria lançar um manifesto apregoando que a delicadeza é uma categoria estética.
Ah, quem nos dera a delicadeza pueril de algumas árias de Mozart. A delicadeza luminosa dos quadros dos pintores flamengos, de um Vermeer, por exemplo. A delicadeza repousante das garrafas nas naturezas mortas de Morandi. Na verdade, carecemos da delicadeza dos adágios.
Vivemos numa época em que nos filmes americanos os amantes se amam violentamente, e em vez de sussurrarem "I love you" arremetem um virótico "Fuck you".
Sei que alguém vai dizer que com delicadeza não se tira um MST - com sua foice e fúria - dos prédios ocupados. Mas quem poderá negar que o poder tem sido igualmente indelicado com os pobres deste país há 500 anos?
Penso nos grandes delicados da história. Deveriam começar a fazer filmes, encenar peças sobre os memoráveis delicados. Vejam o Marechal Rondon. Militar e, no entanto, como se fora um místico oriental, cunhou aquela expressão que pautou seu contato com os índios brasileiros: "Morrer se preciso for, matar nunca".
A historiadora Denise Bernuzzi de Sant'Anna anda fazendo entre nós o elogio da lentidão, denunciando a ferocidade da cultura da velocidade. É bom pensar nisso. Pela pressa de viver as pessoas estão esquecendo de viver. Estão todos apressadíssimos indo a lugar nenhum.
Curioso. A delicadeza tem a ver com a lentidão. A violência tem a ver com a velocidade. E outro dia topei com um livro, A descoberta da lentidão, no qual Sten Nadolny faz a biografia do navegador John Franklin, que vivia pesquisando o Pólo Norte. Era lento em aprender as coisas na escola, mas quando aprendia algo o fazia com mais profundidade que os demais.
Sei que vão dizer: "A burocracia, o trânsito, os salários, a polícia, as injustiças, a corrupção e o governo não nos deixam ser delicados."
- E eu não sei?
Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados.

 Crônica "Tempo de Delicadeza", de Affonso Romano Sant'Anna.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Lábios que beijei

Lábios que eu beijei
Mãos que eu afaguei
Numa noite de luar, assim,
O mar na solidão bramia,
E o vento a soluçar pedia
Que fosses sincera para mim...
Nada tu ouviste
E, logo partiste,
Para os braços de outro amor
Eu fiquei chorando
Minha mágoa cantando
Sou a estatua perenal da dor.

Passo os dias soluçando,
Com meu pinho,
Carpindo a minha dor sozinho,
sem esperança de vê-la jamais
Deus, tem compaixão deste infeliz
( Porque sofrer assim ? )
Compadecei-vos dos meus ais,

Tua imagem permanece, imaculada
Em minha retina cansada,
De chorar por teu amor,
Lábios que eu beijei,
Mãos que eu afaguei,
Volta,
Dá lenitivo à minha dor...

Música: Lábios que Beijei
Intérprete: Caetano Veloso
Composição: J. Cascata e Leonel Azevedo